Ontem escrevi sobre o desuso dos termos esquerda e direita na questão dos partidos políticos. Esse desuso, vale ainda ressaltar, é mais evidente em democracias mais estabilizadas (e aqui eu incluo o Brasil e, ainda na América do Sul, o Chile) do que em democracias de caráter duvidoso ou onde não há segurança institucional alguma (como os nosso vizinhos bolivarianos Venezuela, Bolívia e Equador e ainda o Paraguai, que não é bolivariano, mas também não é uma democracia estável). Isso tudo, que fique bem claro, em se tratando do modelo de Democracia que conhecemos e admitimos como ideal no Ocidente.
Hoje vou um pouco mais adiante e escrevo sobre uma forma de se identificar em que campo estão os partidos. Na Ciência Política chama-se clivagem ou divisão (em inglês cleavage). De maneira geral as clivagens de um sistema partidário se definem pelas posições em termos como "estado maior x estado menor", "rural x urbano", "parlamentarista x presidencialista", "federal x unitário" e por aí vai.
As clivagens podem ser regionais, como por exemplo, na Europa, "pró-União Européia x contra União Européia" ou nos países islâmicos "pró grupos terroristas x contrários ao terrorismo" ou "estado laico x estado religioso".
No Brasil, estas clivagens não ficam bem claras. Com exceção do posicionamento entre estado maior x estado menor, onde temos, de um lado, partidos como o PT, o PSB, o PC do B e os demais do que seria a chamada esquerda, e, do outro, DEM e PSDB principalmente.
E o PMDB? Bom, o PMDB, como partido tipicamente brasileiro, se enquadra em uma clivagem também tipicamente brasileira. A clivagem "governo x oposição" (lembrando que aqui levo em conta sistemas multipartidários e não bipartidários ou de partido único).
Esta divisão é a mais visível entre os partidos brasileiros. Muito mais do que as questões que envolvem esquerda e direita, a divisão entre governo e oposição é a principal que move a luta partidária no Congresso Nacional. O PMDB está sempre no lado do Governo, assim como o PPS, na maior parte do tempo, estará no lado da oposição.
Pode-se dizer em uma análise mais superficial e, portanto, sem dados empíricos para confirmar a hipóteses, que esta clivagem no Brasil se dá pelo modelo do nosso Sistema de Governo. O presidencialismo brasileiro, com forte influência do Executivo sobre o Legislativo e a consequente formação do que se chama de "Presidencialismo de Coalizão", levaram o sistema partidário do país ao longo dos anos 90 e na primeira década do século XXI a se conformar dentro desta clivagem ampla e talvez única onde o partido é governista ou de oposição, não havendo, ou não estando muito claras, as demais divisões entre as siglas partidárias.
Talvez desta clivagem ampla venha a dificuldade que o eleitor tem em identificar quais as posições dos partidos sobre os mais diversos assuntos. Não temos um partido, por exemplo, claramente defensor dos interesses rurais. Há políticos em vários partidos que se especializam no assunto e que defendem aqueles que estão no campo. Do mesmo modo quando se fala em políticas urbanas. E não há ainda no Brasil partidos que se posicionem abertamente e programaticamente contra ou a favor do Mercosul.
Esta questão da clivagem principal no Brasil é ainda um tema que merece um estudo mais aprofundado. Não tanto quanto à sua existência, mas quanto ao seu efeito sobre o discurso dos partidos e as decisões do eleitorado.
Um comentário:
"Esta questão da clivagem principal no Brasil é ainda um tema que merece um estudo mais aprofundado..."
Vá em frente!!!
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