E a Reforma Política voltou ao centro das discussões no Congresso Nacional. Foi tema dos discursos de Dilma Rousseff, de José Sarney e de vários líderes partidários que repercutiram as declarações da presidente da República e do presidente do Senado Federal. A primeira medida prática foi a formação de uma comissão no Senado para trabalhar o assunto. A iniciativa partiu do presidente da Casa, José Sarney, que indicou os doze membros, entre eles os ex-presidentes da República Fernando Collor de Mello e Itamar Franco, além de outros nove ex-governadores. Peso político, portanto, a comissão terá. Força para aprovar mudanças, aparentemente, também.
Mas, o que deve ser mudado? Pelos discursos, a intenção de mudanças é radical, profunda. Substituição do sistema proporcional pelo distrital, puro ou misto. Os objetivos: aproximar os eleitores dos eleitos, baratear as campanha pela diminuição do espaço geográfico de busca de votos e reduzir o número de partidos. Isso para a Câmara dos Deputados, para as assembleias legislativas e câmaras de vereadores. Além disso, há questões envolvendo o Senado como diminuição do tempo dos mandatos, hoje em oito anos, e, a mais urgente, a mudança na forma dos suplentes. Outros pontos em questão: financiamento público de campanhas, fidelidade partidária etc.
Creio que não haja a necessidade de mudanças muito profundas no sistema eleitoral. O que se precisa é de ajustes que façam o Brasil, enfim, ter uma representação proporcional de verdade. Não vejo a necessidade, e muito menos vantagens, na mudança da Representação Proporcional para a Majoritária nas eleições para os Legislativos.
Essa melhora da Representação Proporcional passa por alguns pontos essenciais e que são inerentes a este sistema, mas que nunca foram respeitados no Brasil e sem os quais não existe proporcionalidade. São eles:
Primeiro: a Lista Fechada. Não há proporcionalidade nem partidos fortes sem listas fechadas. O fechamento das listas fará com que o eleitor passe a votar em ideias e não mais em personalidades. Reduzirá e eliminará com o tempo o personalismo nas eleições proporcionais. Hoje o maior adversário de um candidato é o próprio colega de partido que concorre na mesma faixa de votos muitas vezes. Com a lista fechada isso deixa de ocorrer. Os candidatos passam a fazer campanha pela legenda, serão ideias do partido e o eleitor votará em um conjunto de ideias representadas por um partido. Em resumo, os programas dos partidos serão valorizados, ao contrário do voto distrital, onde as ideias de um candidato, o personalismo e a formação de currais eleitorais (como era na República Velha) são facilitados.
A distribuição de recursos entre os candidatos, hoje um problema dentro dos partidos já que pode favorecer este ou aquele candidato, também seria outro problema sanado. A campanha seria centralizada pelo partido, que usaria os recursos em favor da sigla e não mais deste ou daquele candidato. Aqui outra questão: a fiscalização ficará muito mais fácil. Ao invés de várias milhares de campanhas independentes, cerca de 30 campanhas (número aproximado de partidos) em cada estado seriam fiscalizadas. Bem mais fácil o trabalho da justiça eleitoral.
A grande crítica ao fechamento das listas é o poder que as cúpulas partidárias terão sobre a formação destas listas. No ordenamento dos nomes. De imediato esta influência seria, realmente, muito forte. Mas uma das principais "tarefas" da lista fechada é fortalecer a participação de filiados na vida dos partidos políticos. Desta forma, com a ampliação da participação das bases, a influência da cúpula tenderia a diminuir na hora da formação das listas, já que estas passariam a ser compostas com base em convenções abertas a todos os filiados. Portanto, com o passar do tempo, a influência da base será forte. Mas, se não houver maior participação nas prévias partidárias, as listas fechadas vão fracassar no nosso país. Resta saber se há disposição de participar no Brasil.
Segundo: a Cláusula de Barreira. É fundamental que um sistema que privilegie a representação de muitos partidos tenha um freio para que esta representação não prejudique a governabilidade. A Cláusula de Barreiras serve também pra isso, além de moldar o sistema partidário com base em ideias e votos. Não se trata de limitar aqui o direito à representação, trata-se de moldar o sistema a uma forma que possibilite a governabilidade dentro de um ampla representação de eleitores. Os partidos continuarão existindo e disputando eleições, mas só os que alcançarem determinado percentual de votos terão direito a assento no Congresso Nacional, nas assembleias e câmaras de vereadores. É preciso fazer a distinção entre partidos eleitorais e partidos parlamentares. No primeiro grupo incluem-se todos os partidos registrados no TSE, enquanto que no segundo entram aqueles que estão presentes no Congresso. É preciso diminuir o número de partidos parlamentares.
Mas qual o limite dessa Cláusula? No meu entendimento deveria se voltar aos 5% nacionais com mais 3% em um terço dos estados que já estavam previstos na Lei dos Partidos Políticos. Teríamos um sistema partidário enxuto, mas não bipartidário, e com capacidade de representar as diversas tendências da sociedade. E, num futuro próximo, quem sabe coisa de quatro ou cinco eleições, a consolidação em um sistema partidário com não mais do que cinco partidos parlamentares. Muito melhor que este emaranhado de quase 20 siglas representadas no Congresso Nacional.
Terceiro: as Coligações. As Coligações em si não são um problema. O problema é a forma como o artifício é usado. Hoje, o eleitor é enganado com as coligações. Vota, por exemplo, em um candidato do PT e elege um do PTB. É preciso que as Coligações sirvam apenas como forma de união de forças para alcançar o quociente eleitoral, mas que na hora de distribuição das vagas conquistadas pela coligação seja levado em conta os votos de cada um dos partidos. Fiz estes cálculos em minha dissertação de mestrado (artigo publicado aqui, com David Fleischer). Isso melhoraria a proporcionalidade e a justiça na distribuição das vagas no Legislativo. Outra medida, e esta acertadamente já tomada pelo STF, é que os suplentes sejam do partido dos titulares e não da coligação. Se o eleitor vota em um candidato do PSDB, não quer ver um do PPS em sua vaga. Há duas saídas: ou muda-se o formato ou proíbe-se as coligações.
No entanto, mais do que mudar o sistema eleitoral é mais importante uma mudança generalizada de costumes, de hábitos que fazem da nossa política um campo unicamente de interesses pessoais. E isso serve tanto para políticos como para os eleitores.
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