François Guizot, no livro História das Origens do Governo Representativo, faz uma bem detalhada descrição dos processos que levaram à formação do Parlamento Inglês entre os séculos XIII e XIV. Segundo Guizot, “As grandes instituições políticas originam-se sob príncipes frágeis e incapazes; em meio ás convulsões que surgem em seus reinados, essas instituições são extorquidas deles. São consolidadas, entretanto, sob príncipes mais capazes que reconhecem o quanto são necessárias e compreendem as vantagens que delas podem advir.” (HOGR, pág. 587) Descrevendo a consolidação da instituição legislativa na Inglaterra, Guizot descreve também o nascimento do sistema eleitoral inglês: o sistema majoritário com votação em distritos onde o primeiro colocado na circunscrição (constituency) fica com a vaga no Parlamento.
Ao defender este sistema, François Guizot afirma que desta forma o eleito está mais próximo do eleitor, as demandas chegam mais facilmente aos eleitos e a representação não se perde na vastidão de um território maior e com vários representantes. Mas como surgiu este modelo? Guizot explica que a representação majoritária nas eleições parlamentares surgiu de maneira natural, veio das necessidades da população inglesa no século XIII. O Sistema Eleitoral no século XV (e anteriores) não tinha imposições filosóficas, regras típicas da Ciência Política ou obedecia aos interesses deste ou daquele grupo. Era um sistema natural, fruto dos fatos e da sociedade naquele momento. Os princípios que regulavam o processo eleitoral não eram conhecidos (naquela época). “Eles não eram conhecidos, e nem sequer pensava-se neles no século XIV, mas existiam nos fatos; pois há um motivo para cada fato, e todos estão sujeitos à certas leis.” (HOGR, pág. 616)
A Inglaterra é o berço da representação majoritária, do voto distrital puro para as eleições parlamentares. Mas, passados cerca de 700 anos desde a sua implantação, o sistema sofre hoje contestações no meio do eleitorado inglês. Outro sinal dos tempos na Inglaterra é que o sistema, dito bipartidário, mostra feições tripartites escancaradas nas preferências manifestadas pelas pesquisas de opinião trazidas a público por conta das eleições que acontecem esta semana.
Voltando ao sistema eleitoral. Este questionamento quanto ao modelo ideal para as eleições na Inglaterra está refletido na pesquisa divulgada pelo jornal Daily Telegraph no dia 02 de maio. Entre as questões puramente de preferências eleitorais que mostram a iminente vitória dos Conservadores com 37% dos votos e a conseqüente eleição de David Cameron como novo primeiro-ministro, há uma questão a cerca do sistema eleitoral preferido dos entrevistados.
Os números estão divididos. Embora o maior grupo ainda prefira o sistema atual (36%), quase um terço, ou 28% dos entrevistados pelo instituto Crosby/Textor, acreditam que o melhor para as terras da Rainha seria a Representação Proporcional (o sistema que temos no Brasil). Outros 36% se dizem indecisos ou sem argumentos para opinar. O dado que mais chama a atenção, no entanto, é 63% dos entrevistados aceitariam um referendo para decidir sobre a questão. Entre os que preferem a manutenção do Sistema Majoritário, 57% aceitariam o referendo. Ou seja, mesmo entre aqueles que não querem a mudança, a discussão a consulta popular são aceitáveis.
A questão que quero levantar com esta análise relaciona-se às propostas de Reforma Política no Brasil. No Congresso Nacional em Brasília há uma corrente forte favorável à instalação por aqui do modelo alemão (que mescla os sistemas majoritário e proporcional) e ainda aqueles que querem simplesmente a mudança para o sistema ora em vigor na Inglaterra. Porém, antes disso, ao invés de uma mudança radical, por que não procurar os motivos que levam os ingleses a aceitar a discussão para mudar um sistema que teoricamente está consolidado há sete séculos? Ou ainda, ao invés de uma mudança, por que não modificar a própria Representação Proporcional dando a esta, no Brasil, mecanismos de controle mais rígidos como fidelidade partidária e listas fechadas?
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