Não é preciso uma análise muito profunda da Proposta de Emenda Constitucional 54 de 2007 aprovada ontem (12/05) pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado para se chegar à conclusão de que se trata de um projeto esdrúxulo, sem paralelos no mundo e com resultados duvidosos em termos de resultados eleitorais.
A dita Proposta troca o sistema proporcional pelo sistema majoritário. Até aí tudo bem (embora eu prefira a Representação Proporcional, mais fiel ao voto do eleitor) não fosse como esta representação majoritária será, pela proposta, colocada em prática. É justamente aí que começam os defeitos da PEC. Esmiuçando, a proposta põe em prática um sistema majoritário com distritos plurinominais. Tivemos isso no Império, na República Velha e temos ainda nas eleições para o Senado quando são renovadas dois terços representação. No Império e na República Velha não deu certo por vários motivos, entre eles a falta de uma justiça eleitoral e uso do poder econômico.
A PEC aprovada pela CCJ estabelece distritos que vão de oito (os menores estados nas eleições para deputado federal) a 94 representantes (caso da eleição de deputados estaduais em São Paulo). O normal, quando se olha para as democracia estabelecidas e que utilizam o sistema majoritário para eleições legislativas, é que os distritos elejam um representante.
Com a mudança aprovada, a tendência é que as eleições se tornem ainda mais caras do que são hoje e o poder econômico fale ainda mais alto do que já fala ou falou quando este tipo de representação existiu no Brasil. Isso, pelo simples fato de que as campanhas ficarão mais caras, uma vez que os candidatos terão que correr o estado inteiro buscando votos em diversas bases e concorrendo não apenas com os colegas de partidos, mas com os demais. Hoje, em muitos locais já há uma regionalização do voto favorecida pela lógica da Representação Proporcional que privilegia a soma dos votos dos partidos. Poucos são os deputados que têm como base o estado inteiro, a maioria concentra suas ações em uma base regional bem delimitada, quase uma distritalização da eleição proporcional.
Outro ponto negativo da proposta, e talvez o mais grave, será o enfraquecimento definitivo dos partidos políticos. Ora, se a democracia não se estabelece sem partidos e se eles são, por conseqüência, a base de todas as democracias consolidadas, como uma alteração no Sistema Eleitoral que coloca os partidos em segundo plano poderá ser benéfica para a democracia brasileira que ainda busca sua consolidação? Mas como a proposta enfraquece os partidos? A explicação é simples: ela tonifica o voto pessoal, a personificação do voto e dá forças a grandes “caciques” que simplesmente usarão os partidos como um veículo para eleição, nada mais.
Aí você pode perguntar: mas já não é assim? Os partidos não são meros “veículos” sem nenhum, ou quase nenhum, tipo de ligação com os candidatos? Sim, são. Mas o que não se pode fazer é transformar isso em algo ainda mais forte. Institucionalizar de maneira indireta na Constituição o enfraquecimento da ainda não consolidada democracia brasileira. O que se deve fazer é aperfeiçoar a representação proporcional com mecanismos como cláusula de barreira, listas fechadas, fidelidade partidária e uma forte educação política do eleitorado. Ou, se for o caso de mudança, que se institua então um sistema majoritário distrital decente e baseado na experiência histórica de outros países. O sistema proposto pelo senador Francisco Dornelles (PP/RJ) não utiliza das virtudes do sistema majoritário (que são a aproximação candidato/eleitor, o barateamento das campanhas e o fortalecimento dos partidos) e mantém os defeitos da nossa Representação Proporcional (campanhas caras, partidos fracos e personalização dos votos). Resumindo: é uma proposta esdrúxula e nociva à nossa democracia.
Em tempo: a PEC ainda não foi totalmente aprovada. O texto depende de duas votações no Plenário do Senado e depois será analisada pela Câmara dos Deputados.
Ouça dois áudios da Rádio Senado sobre o assunto:
1. uma entrevista minha com o senador César Borges (PR/BA), relator da proposta na CCJ;
2. uma conversa minha com o consultor legislativo do Senado, Gilberto Guerzoni, sobre o tema.
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