segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Os perigos de uma oposição fraca

Nos últimos dias, e sobretudo após o início do horário eleitoral gratuito, a candidatura da ex-ministra Dilma Roussef decolou e simplesmente deixou na poeira o ex-governador José Serra. Sensus, Ibope e Datafolha mostram números que indicam uma diferença de mais de 20% entre a candidata governista e o de oposição. Números que surpreendem até o mais ferrenho defensor de Dilma Roussef e que desanimam os mais empedernidos defensores de Serra. Por fim, tudo aponta para a definição em primeiro turno e em favor da candidatura governista.

Uma vitória esmagadora como a que se aproxima, o encolhimento da oposição, a falta de discurso desta e sua falta de rumo não representam o quadro ideal em uma democracia. Faz parte da Democracia? Faz. O voto do eleitor deve ser respeitado. As regras são essas e não se pode cair na tentação lacerdista de pregar o golpe ou o estado de exceção por causa de um resultado perfeitamente de acordo com as regras eleitorais.
Nos anos 50, nas eleições de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda, então deputado da UDN (que virou Arena, que virou PDS e que virou PP e DEM) pregava a ilegitimidade dos dois presidentes porque eles não haviam alcançado a metade dos votos nas eleições. A regra eleitoral não previa esta necessidade para ser eleito presidente. Não havia segundo turno. Em 1960, quando Jânio Quadros foi eleito sem alcançar os 50%, mas com apoio da UDN, Lacerda ficou quieto. Mais tarde, apoiou o golpe.

Voltando ao nosso tempo. Embora seja das regras, cabe um alerta ao eleitor sobre os riscos de uma vitória com estas características (de amplo apoio popular ao presidente que sai e este transferindo seu patrimônio à sua candidata). Na verdade, não é a vitória no primeiro turno o problema, mas o enfraquecimento da oposição seja lá quem vença e seja lá quem for oposição. Um dos pilares da Democracia, juntamente com a segurança das eleições e a obediência às regras do jogo, é a presença de uma oposição atuante e com voz.

A vitória esmagadora de um dos lados ainda no primeiro turno pode gerar um encolhimento na oposição nocivo às boas práticas democráticas. Além disso, um governo calcado em forte apoio popular e que “faz tudo em nome do povo” é outro perigo. Hugo Chávez, na Venezuela, atua assim com sua revolução bolivariana. Tudo é em nome do povo, logo, quem é contra o seu governo é contra o povo? E quem é contra o povo? Normalmente os tiranos. Resultado: a oposição é pintada como a vontade da tirania de controlar o povo, os mais pobres.

A popularidade de Lula é tão grande que ele decidiu quem seria sua sucessora, puxou um nome da cartola, criou um personagem e deu a ela vida política. Sozinha, sem Lula, dificilmente Dilma estaria onde está. Não discuto aqui sua competência, mas sua capacidade de se fazer presidente da República por conta própria. Mas, este não é exatamente o tema deste post.

O tema aqui são os desafios para a Democracia a partir de uma vitória calcada nestas características. O PSDB no governo FHC foi mestre na arte de cooptar parlamentares e legendas para a sua base. Tirou parlamentares de partidos da oposição e levou legendas menores para sua base de apoio na base do fisiologismo. Não houve uma convicção programática. As privatizações e a emenda da reeleição passaram na base do toma-lá-da-cá, desmoralizando o Congresso Nacional.

Mas, se o PSDB e FHC foram mestres nesta arte, o PT de Lula conseguiu o Pós-Doc. Foi além. Levou a extremos inaceitáveis em qualquer democracia representativa. O mensalão é o exemplo disso, embora inaugurado na era PSDB, foi bem utilizado no atual governo. E promete mais. Em caso de vitória de Dilma, já se fala na criação de um partido que abrigaria atuais partidários do PSDB, do DEM e do PPS descontentes com a situação de "oposição" e que estariam dispostos a migrar para a base do governo.

Como a lei impede a troca de partidos sem a perda de mandatos, a criação de um novo é a saída. Assim, o fisiologismo e a cooptação de parlamentares seriam levados a requintes de crueldade com a nossa já cambaleante democracia representativa. Se os dois, PSDB e PT jogam com o fisiologismo, porque o PSDB não obteve o sucesso que o PT vem obtendo? Simples. O PT na oposição era mais disciplinado. Era oposição e pronto. Tinha prática no assunto. PSDB e DEM na oposição titubearam, deixaram a porta aberta. Não tinham prática e ficaram sem discurso e em muitos casos sem os parlamentares.

O que isso representa? Representa a possibilidade de um futuro governo, baseado em uma popularidade avassaladora do ex-presidente somada a uma vitória contundente no primeiro turno, fazer o que bem entender num Congresso onde o problema não será apoio para suas ideias. Pior do que isso, um Congresso sem grande força política e com baixa popularidade torna-se ainda mais maleável às vontades de um presidente com um patrimônio eleitoral grande.

O poder excessivo é prejudicial, assim como um governo fraco é ruim para a democracia. Fernando Collor caiu mais por não ter o apoio do Congresso do que por seus erros. Foi o outro lado do que veremos possivelmente em 2011. Mas, enfim, uma democracia só se estabelece se for testada. A de 1945 quando foi, caiu. Creio que o nosso sistema democrático é hoje mais consolidado do que aquele do início da década de 60.

PS.: Entenda-se por oposição algo coerente, com discurso alternativo ao do governo. Não esta oposição que está aí, completamente perdida e que baseia seus discursos em matérias de veículos de imprensa como a Veja.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Uma dica de livro: Futebol & Guerra, de Andy Dougan

Este livro é uma bela história de um dos mais emocionantes e tristes momento da II Guerra Mundial. É a história da tomada de Kiev pelos Nazista e da resitência dos jogadores do Dínamo ao domínio de Hitler. O livro é fantástico, a narrativa é detalhista, mas leve, o que acaba fazendo da obra uma leitura fácil.

Andy Dougan mostra o que foi a ocupação dos Nazistas em Kiev, na Ucrânia, os horrores praticados em Babi Yar e em Siretz, a morte de quase 40 mil judeus, a deportação de outros tantos milhares de kievanos para trabalho escravo na Alemanha e a consequente redução da população de 400 mil para 80 mil ao final de pouco mais de dois anos de ocupação.

Em meio a esta história está a história do Dínamo de Kiev e seu time formado a partir de 1936 liderado por Nikolay Trusevich, Alexei Klimenko e Makar Goncharenko. Sem emprego, os atletas se juntam a outros de outras modalidades no trabalho em uma padaria. Com o trabalho forma-se a resistência pela bola e pelo futebol. Nasce o FC Start com o que restou do Dínamo e vem o desafio ao time da Luftwaffe. O resultado só no fim do livro... Vale a leitura.

Ficha técnica:

Futebol & Guerra, Andy Dougan
Jorge Zahar Editores
Entre R$ 30,00 e R$ 40,00

Erros e problemas da candidatura Serra

Primeiro: o longo tempo como vitrine. Ninguém se sustenta candidato por quatro anos. Mesmo com os índices nas pesquisas sempre mostrando uma vantagem confortável para José Serra em relação a qualquer candidato apresentado pelo governo, os quatro anos em que permaneceu na vitrine como provável candidato do PSDB à Presidência consumiram a vantagem que o ex-governador de São Paulo tinha. Qual seria a saída? Na verdade essa foi uma encruzilhada em que a própria oposição se meteu. Não havia outros nomes. Aécio Neves seria uma alternativa, mas sem garantia de sucesso.

Segundo: o discurso titubeante de Serra. Tentando passar uma ideia de político experiente (o que realmente é), Serra se repete. A campanha é igual a de 2002. Os projetos são os mesmos e parece que Serra não fez nada, ou praticamente nada, em São Paulo. Parece que o candidato tucano faz campanha para ser ministro da Saúde e não presidente da República. Outro erro estratégico é tentar colar em Lula, inclusive arrumando um imitador do presidente na campanha pelo rádio. O eleitorado sabe que Serra não é o candidato de Lula e que Serra não dará continuidade ao governo Lula. Seria mais eficiente mostrar o que será feito para efetivamente melhorar o país. Continuidade é a Dilma e não o Serra.

Terceiro: a escolha do vice. Ao aceitar a imposição do Democratas que indicou um candidato a vice sem a mínima expressão, o PSDB admitiu que a campanha estava perdida. Pois, se qualquer um pode ser vice, é porque isso já não importa mais. E se não importa mais é porque não acredita numa vitória. Índio da Costa não tem expressão para ser vice-presidente da República. O quê ou quem ele representa? Mesmo o Democrata, um quase ex-partido, tem figuras mais expressivas. Cito o senador Demóstenes Torres, a senadora Kátia Abreu (que tem posições claras, concorde-se com elas ou não), o próprio líder do partido no Senado, José Agripino Maia, ou ainda o ex-vice presidente Marco Maciel. Qualquer um agregaria mais que Índio da Costa. Índio da Costa não foi uma indicação, mas um escárnio. O melhor mesmo teria sido Aécio Neves ou a manutenção de Álvaro Dias ou ainda a indicação de outro nome do PSDB. Uma chapa pura tucana talvez puxasse mais facilmente votos de eleitores que defendem o governo Lula, mas não enxergam em Dilma e Temer uma dupla capaz de governar o país.

Quarto: a popularidade do presidente Lula. Apenas 4% dos entrevistados nas pesquisas afirmam que o governo é ruim ou péssimo, ou seja, 96% da população considera o governo no mínimo regular. Este adversário, no momento em que a campanha é colocada na mesa, torna-se praticamente imbatível. Uma tarefa árdua esta que se meteu o PSDB na campanha 2010. Nem Fernando Henrique Cardoso em 1998 quando garantiu a reeleição em primeiro turno tinha tamanha popularidade. Ao final dos oito anos de FHC, em 2002, o então candidato José Serra tinha no governo que apoiava um peso. Ao contrário, Dilma tem no governo e no presidente Lula o grande avalista de sua suposta capacidade de governar. Suposta sim, porque quem se arrisca a garantir que a ex-ministra tem esta capacidade? Este problema aos poucos foi minando a candidatura de oposição, uma candidatura que se mostrava como sólida, mas que bastou chegar às areias movediças da campanha eleitoral para mostrar que seus alicerces são frágeis. Candidatos de partidos de oposição custam a admitir que apoiam Serra. Escondem o nome do candidato como que não querendo comprometer-se.

Quinto: a polarização da campanha. O confronto direto entre Dilma e Serra está se mostrando melhor para a candidata do governo. A terceira opção, Marina Silva (PV), não se mostrou viável a ponto de assegurar, pelo menos até agora, um segundo turno. De início, a tentativa de polarizar a eleição tão defendida por Lula parecia beneficiar Serra, mas o presidente mostrou que tinha uma visão de longo prazo correta. Tirar Ciro Gomes da disputa facilitou a vida de Dilma. Os votos do ex-ministro que de início tendiam a José Serra, parecem ter migrado para Dilma Rousseff.

A síntese da eleição está em Pernambuco. Lá, o candidato à reeleição Eduardo Campos, do PSB, apoiado pelo governo, tem 70% das intenções de votos nas pesquisas. Jarbas Vasconcellos, do PMDB, que dominou o estado por anos a fio e que de repente virou um defensor da ética no Senado, tem 19%. O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra, prevendo uma derrota humilhante, sequer candidatou-se à reeleição. E, por último, Marco Maciel, do DEM, também senador, tenta a reeleição em uma briga ferrenha com Armando Monteiro Neto, do PTB. Talvez Marco Maciel seja a única vitória da oposição no estado. Quem lidera a disputa para o Senado em Pernambuco? Humberto Costa, ex-ministro da Saúde do governo Lula.

Tudo isso somado leva ao que estamos prestes a ver. Uma virada nas pesquisas indicando que a eleição será definida ainda no primeiro turno. Nem Lula conseguiu esta façanha. Mas, e sempre há um mas em política, ainda falta um mês e meio para a eleição e até lá as coisas podem mudar. Afinal, como dizia Magalhães Pinto, política é como as nuvens, uma hora estão num lugar, noutra em outro.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

PT de São Paulo antecipa a campanha com Lista Fechada

PT-SP tira deputados de propaganda e prega voto em legenda


Estratégia é usar tempo dos programas para explorar imagens de Lula, Dilma, Mercadante e Marta como puxadores de votos


DANIELA LIMA
FERNANDO GALLO
DE SÃO PAULO


O PT de São Paulo decidiu que o espaço reservado na propaganda eleitoral a candidatos a deputado federal e estadual será usado para pedir votos na legenda.
Com isso, os petistas explorarão ao máximo o potencial do maior puxador de votos da sigla -o presidente Lula- e reforçarão as campanhas de Dilma Rousseff, Aloizio Mercadante e Marta Suplicy, candidatos à Presidência, ao governo e ao Senado, respectivamente.
O eleitor assistirá a Lula, Dilma, Mercadante e Marta pedindo votos para o número do PT no horário reservado a políticos que disputam vagas na Câmara e na Assembleia.
A mudança, inédita na estratégia de propaganda eleitoral no Estado, foi aprovada ontem em assembleia do partido e teve Edinho Silva, presidente estadual da sigla, como principal articulador.
O PT de São Paulo estima que conseguirá dois milhões de votos na legenda. "É melhor Lula e Dilma pedindo votos na legenda que o [espaço] pingadinho de 25 segundos", defendeu o deputado José Genoino (PT-SP).
O voto na legenda alimenta o potencial das coligações de conseguir cadeiras no Legislativo. A mudança ajudará ainda as campanhas de Mercadante e Dilma.
Lula não aparecerá ao lado deles no horário dos proporcionais, mas pedirá votos para o 13, número de campanha dos dois candidatos.


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O texto acima é da Folha de São Paulo de hoje (03/08) e mostra a estratégia petista para a campanha proporcional no estado de São Paulo para estas eleições. O movimento é inédito pela sua forma, embora o PT tenha se notabilizado na nossa história partidária como o único entre as grandes legendas a valorizar o voto na legenda ao longo das nossas eleições. O ineditismo está no fato de que o partido irá retirar da propaganda no Rádio e na TV os candidatos aos cargos proporcionais (deputados estaduais e federais) e priorizar a indicação do voto no número do partido. A estratégia visa fortalecer na mente do eleitor a associação entre o número do partido, os candidatos majoritários e a importância de se fazer uma bancada no Legislativo vinculada ao Executivo.
 
No entanto, o fato mais interessante desta estratégia (típica de eleições proporcionais mundo afora) é que pela primeira vez um partido fará uma campanha no rádio e na TV como se estivesse trabalhando com uma lista fechada. A mensagem neste tipo de campanha tira o foco do personalismo, do candidato proporcional e enfatiza a importância do partido. O que a cúpula do PT quer dizer é que não importa qual seu candidato a deputado, importa você votar no número (na legenda) do partido. Enfatizando este número na mente do eleitor, o PT ainda tenta fazer uma transferência cruzada de votos. Do presidente Lula para a candidata ao Planalto, deles para o candidato ao governo de São Paulo e de todos para os candidatos ao Legislativo. O caminho inverso também vale, ou seja, o PT quer evitar que um eleitor que vote em um candidato do partido para deputado, vote em um candidato de outro partido para cargos majoritários.

A Lista Fechada é um dos pontos das várias propostas de Reforma Política que estão em análise no Congresso Nacional. É um elemento fundamental para uma representação proporcional mais próxima da ideal. A crítica é que o artifício deixaria os partidos políticos, e a composição das listas, à mercê das cúpulas partidárias. Em um primeiro momento, sim. O que não é enfatizado é que para que isto não ocorra será necessária uma participação maior do eleitor na vida partidária, estimulando a filiação aos partidos políticos e participação em convenções. Na Lista Fechada a disputa se dá intensamente dentro dos partidos para que a composição da Lista reflita a vontade da maioria e não apenas de uma elite. Isto, no entanto, requer tempo e educação política da população. O imediatismo com que se analisa os efeitos das Lista Fechada não leva em conta as principais características do modelo e os seus principais benefícios: fortalecimento dos partidos, participação política e barateamento das campanhas eleitorais.