Este é um dilema e uma confusão que paira sobre o Senado. Os funcionários devem lealdade ao Senado ou aos senadores? Para mim a resposta é bem clara. A lealdade (tratada no artigo 116 da Lei 8112, conhecida como Regimento Jurídico Único) é bem clara e refere-se à instituiçao e não às pessoas. Portanto, a confusão se dá por desconhecimento da lei ou por obrigação de favores. O próprio senador que cobrar de um servidor lealdade aos senadores estará afrontando a lei.
Como funcionário concursado, devo ser leal ao Senado. É difícil fazer esta separação quando não se tem noção de Estado ou quando se pensa no Estado como algo que tem dono, como algo de propriedade de poucas pessoas. E este é um defeito grave na política brasileira. Há uma confusão entre o público e o privado e isto é retratado em livros clássicos da nossa história política, como Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, ou Coronelismo, Enxada e Voto, de Victor Nunes Leal.
Um caso clássico dessa confusão. A Rádio Senado foi criada em 1997. Sua função primordial é divulgar as ações, os fatos, as notícias, enfim, o que ocorre no Senado, de maneira institucional. E não servir ao trabalho individual de um ou outro senador. Pois bem, até 2002 esta separação era algo difícil de se cumprir. Até ali, senadores usavam os estúdios da Rádio para gravar seus programas pessoais (que são enviados para rádios dos estados sem nenhum interesse para o Senado). Pois bem, para acabar com isso não bastaram pedidos, foi necessário um Ato da Mesa Diretora da Casa regulamentando o uso do estúdios da Rádio Senado. A partir dali o uso se tornou estritamente institucional. É um caso típico de achar que a estrutura pertence à determinadas pessoas.
A confusão se perpetua e se reflete em atos como os verificados no Senado. Aí há o desrespeito a outra norma da Lei 8112. Em nome da lealdade torta aos senadores, servidores agrediram o inciso VI do artigo 116 que diz que o servidor deve "levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo" e o inciso IX que fala que "manter conduta compatível com a moralidade administrativa".
A confusão é fruto da idéia que se tem de Estado. Uma idéia baseada na amizade e no compadrio, onde o que é público não é de ninguém e, se não é de ninguém, é de quem chegar primeiro. O correto, no entanto, é que o é público é de todos e, se é de todos, cabe a cada um zelar e tomar o devido cuidado para a preservação do bem (seja ele um prédio, um carro, o erário ou, em um conceito mais amplo, uma instituição por inteiro). Esta confusão é patrocinada em boa medida por boa parte da classe política que ainda se elege na base de pequenos favores, do toma lá-dá-cá. Enquanto estes políticos continuarem agindo assim e tiverem um público cativo para esta ação as coisas dificilmente vão mudar.
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